domingo, 1 de maio de 2011

O observador

Acorde! Já é tarde! A voz na minha mente gritava sem parar, até me enjoar. Como se fosse mãe chamando e chamando! Droga se levante!
OK! Mesmo que fosse tarde e o sol já estivesse no meio do céu, se mostrando como quem quer ser visto e se exibindo pelas frestas da minha janela e o dia já tivesse começado para muitos, pra mim a noite passada não havia acabado. O gosto do álcool e do cigarro ainda não tinha saído da minha boca e nem a música saído da minha cabeça. Uma batida compassada, com o ritmo certo, feito para que os corpos se mexessem sem parar, sem perceber, com rumo exato, o desejo. O sentimento de solidão bateu tão forte em mim que quase caio quando tento me levantar da cama. E aquele gosto? Não passa! Mas é claro que não, eu não tinha dormido o suficiente. Era tão perceptível assim?
Entendendo-me com meu próprio corpo e com minhas mãos e pernas tremulas decidi que ia até o café mais próximo. Eu não queria ter que fazer, queria apenas pagar por algo que me fizesse acordar.
O café que pedi não tinha açúcar. Será que fiz o pedido certo? Quase me levantei e fui até a moça que limpava o balcão para discutir com ela sobre a falta de açúcar no meu café, que eu tinha pedido justamente para amenizar os gostos anteriores, mas hesitei! Que preguiça de discussões eu estava naquele dia! Que preguiça! Tomei meu café simplesmente. Preto, com pouco açúcar ou nenhum, contra minha vontade, claro, já que eu desejava adoçar um pouco aquele dia, que parecia tão amargo. Desistindo de ficar sentado ali naquele lugar onde todos estavam interessados em apenas comer e se lambuzar de mais um pouco de bolo eu me levantei, paguei e fui em direção a minha casa. Mas no caminho os passos eram tão lentos e ao mesmo tempo tão rápidos que me perdia facilmente, e precisava olhar pra frente e me atentar novamente onde estava e pra onde iria depois.
A minha casa estava lá, me esperando, mas sem ninguém com quem compartilhar o que possivelmente teria sido uma das noites mais insanas já vividas por aquelas pessoas. Eram tantos amigos, mentindo um para o outro, eles nem se conheciam, mas eram ali, naquela hora, melhores amigos de longa data que a mãe conheceu e aprovou. As conversas tão profundas que para uma pessoa tranqüila demais seria um quebra-cabeça para decifrar. Acho que o álcool era culpado por parte daquilo, e gente sóbria não entende isso. Felizmente.
Num canto meio oculto do lugar eu só conseguia observar. Meu pé seguia o ritmo da música, que era tão boa, tão envolvente e sacana. Tão apropriada. Vi de longe algumas pessoas tentando encontrar outra delas mesmas, de longe pude ver na pista de dança pessoas se concentrando na música e deixando-a entrar, e esperando secretamente que alguém percebe essa dispersão e chegasse mais perto, perto o bastante para se encantarem.
Bebi sem me conter, eu já estava cansado de me conter mesmo, fumei, mas conto um segredo aqui, bem baixinho, apenas para os cafonas escutarem, que não sei ao menos tragar um mísero cigarro, mas enfim, quem precisa saber disso. Eu fiz a pose certa, e no meio de todos aqueles corpos e mentes eu fui me tornando um ninguém. Eu não interagi naquela noite, eu queria só observar. Várias vezes fui interrompido por alguém menos compenetrado que eu, mas isso não mudava, ela automaticamente passava de mera intervenção a uma nova possibilidade de análise.
Nessa noite eu não toquei, não fui tocado. Foi tão bom assim, não me sentir invadido, nem corrompido por algo que fosse servir de arrependimento depois. Eu só sentia agora, nessa manhã, relembrando a noite, o gosto horrível e inevitável dos vícios que eu nem tenho. Eu voltei com mais certezas daquele lugar, que se vive errado demais, e fazer o certo nem sempre é tão fácil quanto parece, mas que a bebida e a fumaça não vão colaborar. Eu adorei ser só espectador, numa noite tão insana.

5 comentários:

  1. A força letrada leva tua arte de bordar. Com certeza, você escreve bem. Abraço, Minuzzi

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  2. Penso q se esse vício é o da análise. Cansa analisar tudo, porém é prazeroso.

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  3. kkkk...engraçado o povo comentando. Mas meu bem, ouvi sua voz em certos momentos. Tantas verdades expressas no senso comum em meio as suas divagações. Beijo Sweet.

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  4. Heey, passei pra agradecer e retribuir sua visita. Gostei do texto. Passarei por aqui sempre que possível.

    beeijos

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